MINHA PRIMEIRA NOÇÃO DE
CÉU!
Pe. Gilberto Kasper
Mestre
em Teologia Moral, Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Especialista em
Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Docente no CEARP – Centro
de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto, Assistente Eclesiástico do Centro
do Professorado Católico, Assessor da Pastoral da Comunicação, Pároco da
Paróquia Santa Teresa D’Ávila, Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres
da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista.
Era
domingo, Festa Litúrgica da Sagrada Família, Padroeira da Paróquia de Três
Corôas (RS), onde fui batizado no dia
Minha
mãe com 25 anos de idade também estava presente. Éramos quatro filhos: o mais
velho com 6, eu com 4, o terceiro com 2 anos e minha irmãzinha, internada com
uma enfermidade sem cura na época, com apenas 5 meses de idade. Ela faleceu no
dia do enterro de meu pai.
Na
manhã seguinte, dia 15 de janeiro de 1962, às 7 horas, meu pai cometeu
suicídio. Disparou um único tiro no ouvido direito, que saiu no olho esquerdo.
Minha mãe e nós três meninos estávamos na casa dos avós paternos. Meu pai deixou
seu caminhão em frente ao atacado de cereais que possuía, subiu ao quarto do
casal na residência sobre o mesmo atacado e disparou com seu revólver calibre 38.
Seu sócio ao ouvir o tiro chamou meu avô paterno para entrarem juntos no
recinto. Eu, sempre o mais curioso dos três corri atrás e assisti aquela cena
em que socorriam meu pai todo ensanguentado. Levaram-no ao Hospital bem próximo
de nossa casa.
Todo o
povoado se concentrou em frente ao Hospital numa corrente de oração, sem
naturalmente compreender por que meu pai cometera o suicídio, que na minha
modesta opinião é o ápice do encontro da coragem com a covardia. Meu pai
sobreviveu por 12 horas. Por volta de 16 horas recobrou a consciência e pediu
para falar com minha mãe, meu irmão mais velho e o padre. Segundo o próprio
padre me contou anos mais tarde, meu pai balbuciou seu arrependimento e recebeu
a então chamada “Extrema Unção”! Faleceu às 19 horas.
Quando
minha mãe, minha avó paterna e minha tia (a irmã de meu pai) retornavam do
Hospital, estávamos todos apreensivos por notícias. Quando meu irmão mais velho
perguntou pelo pai, nossa tia apontou para um pôr de sol magnificamente indescritível
de tão belo. O sol se despedia, debruçando-se sobre uma montanha rochosa que
fica diante da casa de nossos avós. Ela nos disse: “Vejam como o céu se vestiu
lindamente. Foi para receber o pai de vocês. Agora ele está lá, no colo de
Deus, acariciado por Nossa Senhora”! Certamente gravado em meu subconsciente,
ao alcançar a adolescência, ganhando minha primeira máquina fotográfica, passei
a fotografar pôr de sol. De todas as minhas fotografias, as que mais me
agradavam, eram as de pôr de sol. Com o passar do tempo descobri que naquele
pôr de sol, me fora dado Minha Primeira Noção de Céu!
Durante
o mês de setembro refletimos amplamente a prevenção ao suicídio. Quis minha
história de vida, colocar-me em contato com a morte, que dói tanto, por meio do
suicídio de meu amado pai. Ao longo de meu ministério presbiteral, acompanhei
com profundo zelo e sensibilidade pastorais, as famílias que, como a minha,
precisaram lidar com o suicídio. E não foram poucas. O suicídio não só mata
quem se suicida. Mata também um porquinho de cada membro da família que se vê
obrigada a entregar uma pessoa que ama com tamanha crueldade. Meu pai teve a
graça do arrependimento e da Unção dos Enfermos. Continuo acreditando no dedo
de minha tia apontando para aquele belíssimo pôr de sol, Minha Primeira Noção de Céu!
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