“ESTOU COM FOME”!
Pe.
Gilberto Kasper
Mestre
em Teologia Moral, Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Especialista em
Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Docente no CEARP – Centro
de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto, Assistente Eclesiástico do Centro
do Professorado Católico, Assessor da Pastoral da Comunicação, Pároco da
Paróquia Santa Teresa D’ Ávila e Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres
da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista.
Constatamos
um aumento assustador de pessoas em esquinas com semáforos de nossa cidade, com
papelões nas mãos e a inscrição “Estou com Fome”. A maioria mal vestida, com
aparência de extrema pobreza. É uma das “cortinas” que a Pandemia abriu,
sugerindo a gritante desigualdade social entre nós. Algumas dessas pessoas são
extremamente educadas e se demonstram compreensivas quando não atendidos em
seus apelos de uma moeda. Já outras se parecem mais irritadas e até mesmo
agressivas quando não obtêm êxito em seus pedidos. Já assisti automóveis sendo
riscados por alguns outros, que transitam num piscar de olhos entre carros
aguardando o sinal abrir.
Fico
imaginando o perigo a que se expõem essas pessoas, podendo ser atropeladas por algum
condutor desavisado, impaciente, apressado seja de carro ou de moto. Não
assisti a nenhuma notícia de atropelamento nesses locais, até agora, graças a
Deus!
Quando
me vem a tentação de pré-julgamento à cabeça, de que tais pessoas sejam
dependentes químicos ou alcoólatras, meu coração me avisa, de que na aparência deles, pode-se contemplar a
presença do próprio Cristo. E como deve ser então meu comportamento diante de
situação caótica como essa? Ajudar com algum valor? Ter sempre algum dinheiro à
disposição para evitar mexer em carteira e atrasar o arranque do carro na hora
em que o sinal abre? Dizer que não tenho dinheiro à mão naquele momento? Ou
simplesmente ignorar a pessoa que se aproxima com o papelão na mão ou a mão
estendida? Não há outro jeito a não ser perguntar a própria consciência.
A
questão parece ser muito mais profunda do que simplesmente resolver o que a
consciência pessoal indica. Até que ponto sou eu o responsável por tamanha
“enfermidade social”? De quem seria a responsabilidade? Como agir?
Conhecemos
incontáveis iniciativas que amenizam a fome, o frio, as necessidades básicas
das pessoas em situação de rua em nossa cidade. Muitas de nossas Comunidades de
Fé com seus abnegados agentes de pastoral, de religiões diversas, vão ao encontro
desses nossos irmãos, levando-lhes alimentos, vestuários, cobertores e produtos
de higiene. Outras tantas Comunidades oferecem cestas básicas e têm milhares de
famílias em situação de extrema vulnerabilidade. Há, também, iniciativas muito
criativas de empresas, agremiações, da iniciativa privada, enfim. Ninguém
duvida das demonstrações de solidariedade descobertas, especialmente em tempo
de pandemia. O povo é profundamente solidário e fraterno. Sensível e não hesita
em partilhar da própria pobreza para amenizar necessidades básicas que causam
dor e indignação. Mas tais auxílios pontuais não resolve o problema.
Sabemos
que somos um país rico. Nossa cidade também é considerada ricamente
privilegiada. Porém, sabemos também, que a menor fatia do bolo dos orçamentos
públicos, que só existem porque pagamos impostos, os mais altos, é destinada à
Secretaria da Assistência Social. Haja criatividade para atender às demandas
que crescem a cada inverno. A criatura humana continua sendo relegada a
segundos, terceiros e quartos planos de políticas públicas desumanas. É também
verdade que a maioria das pessoas que pedem nos semáforos, não aceita
acomodação nas casas de acolhimento, quando abordadas pelos Servidores da
Assistência Social.
Ao
invés de esmola já passou da hora de juntos, encontrarmos soluções mais
criativas que devolvam a dignidade das pessoas em situação de vulnerabilidade.
Não bastam respostas imediatas e rasas à nossa consciência ou o que muitos
chamam de “desencargo de consciência”. É urgente remetermos nossas sugestões de
soluções criativas às OSCs (Organização da Sociedade Civil), levando-as mais a
sério e colaborando para que consigam desenvolver seus Projetos Sociais com
mais tranquilidade. Porque são elas, as OSCs, como o FAC – Fraterno Auxílio
Cristão, por exemplo, que promovendo as pessoas em sua dignidade humana, que
evitam ou pelo menos diminuem pessoas nos semáforos com os papelões nas mãos,
dizendo: “Estou com Fome”!
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