Meus queridos Amigos
e Irmãos na Fé!
O Segundo Domingo do Tempo Pascal nos introduz no Tempo em que celebramos a ressurreição do Senhor, como único e
grande dia, que se estende desde o Domingo da Páscoa ao domingo de Pentecostes. “Os cinquenta dias entre o domingo da Ressurreição e o domingo
de Pentecostes sejam celebrados com alegria e exultação, como se fossem um só
dia de festa, ou melhor, como um grande domingo” (Normas Universais ao Ano
Litúrgico e Calendário Romano Geral, n. 22).
Celebramos o domingo da Divina Misericórdia, instituído por São João Paulo II, canonizado ao lado de São João XXIII, O Papa Bom. Damos graças ao Senhor por
tão amados intercessores junto de Deus, bem como por seu eterno amor por nós,
disposto a nos perdoar, sempre que nosso coração arrependido volta-se para ele.
Escolhi como lema de minha Ordenação
Presbiteral, a quinta Bem-aventurança do Sermão da Montanha de Jesus: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão
misericórdia” (Mt 5,7), justamente porque não obstante meus incontáveis limites, o Senhor
me quis Sacerdote, tamanha Sua Misericórdia por mim! Como Tomé,
exclamamos maravilhados: “Meu Senhor e meu Deus”. Desde criança aprendi que
a profissão da fé de Tomé seria a ideal, cada vez que fizesse a genuflexão
diante do Cristo Sacramentado, seja na Hóstia Consagrada exposta, seja
escondida no Sacrário. Por isso, quando coloco o joelho direito no chão, em
sinal de adoração ao Senhor presente no mistério de nossa Fé, a Eucaristia, digo com a poesia
de meu coração: “Meu Senhor e meu Deus”. Também quando ergo Jesus transubstanciado de um pedacinho de pão
em Seu Corpo e de um pouquinho de vinho no Seu precioso Sangue, meu coração
remete aos meus lábios a mesma expressão: “Meu Senhor e meu
Deus!”.
O primeiro encontro de Jesus ressuscitado com seus discípulos é
marcado pela saudação feita por Ele: “A paz esteja
convosco’” Por duas vezes o Ressuscitado
deseja a paz a seus amigos. Em seguida, os envia em missão, soprando sobre eles
o Espírito. Buscar e construir a paz é missão dos seguidores do Ressuscitado,
pois o Reino de Deus, anunciado e realizado por Jesus e continuado pelas
comunidades animadas pelo Espírito, manifesta-se na paz. Reino de Justiça, Paz
e Alegria como frutos do Espírito Santo. O Apóstolo, amigo de Jesus, ressalta
que a paz, para ser autêntica, deve ser trazida pelo Cristo. Uma paz diferente
da paz construída pelos tratados políticos. Paz (é shalom) significa integridade da pessoa diante de Deus e dos
irmãos. Significa também uma vida plena, feliz e abundante. Paz é sinal da
presença de Deus, porque o nosso Deus é um “Deus da Paz” (Rm 15,33). Paz significa muito mais do que
ausência de guerra. Significa construir uma convivência humana harmoniosa, em
que as pessoas possam ser elas mesmas, tendo o necessário para viver,
convivendo felizes.
A comunidade, que abre suas portas,
acolhe o Senhor e o segue é enviada pelo Espírito do Ressuscitado a testemunhar
o amor do Pai, isto é, a prolongar, no curso dos tempos, a oferta da vida que,
em Jesus, Deus fez à humanidade. O reino da vida que Cristo veio trazer é
incompatível com as situações desumanas em que vivem mergulhados milhões de
seres humanos. “Como discípulos e missionários, somos chamados a intensificar
nossa resposta de fé e a anunciar que Cristo redimiu todos os pecados e males
da humanidade” (Documento de Aparecida, n. 134).
O cristão isolado (ausente da
comunidade) é vítima do egoísmo e exige provas para crer. É na vida da
comunidade que encontramos as provas de Jesus que está vivo. Ser cristão, hoje,
requer e significa pertencer a uma comunidade concreta, na qual se pode viver
uma experiência permanente de discipulado e de comunhão. Por esta razão, a
marca registrada deste Segundo Domingo da Páscoa é a fé, vivida em comunidade. É em comunidade que se realiza o encontro
com o Ressuscitado e a experiência de uma vida nova.
No tempo da Páscoa, a comunidade cristã tem a oportunidade de aprofundar o evento da
salvação, cuja memória desponta de modo pungente na liturgia desse tempo.
Convém chamar a atenção para o fato
de que a vida nova não está isenta de dificuldades. O cristão não é tirado do
mundo pelos sacramentos que celebra, mas situado nele de uma maneira especial:
como comunidade que aponta e evoca uma realidade nova, mostrando aos demais que
a salvação alcançada em Cristo se realiza e se prolonga naqueles que aderem a
Ele (fé). Pela comunhão com os irmãos, pela promoção da justiça e da
libertação, pelo cultivo de utopias e esperanças de vida e de inclusão, a
comunidade dos fiéis torna-se sinal da Páscoa, sinal da vida nova que Deus quer e preparou para todos. É
possível enumerar vários acontecimentos que confirmam a convivência entre a
realidade e a realização da Páscoa e os fatos e situações que indicam a direção contrária:
violência, medo, fome, miséria, desastres, corrupção e maldade de todo tipo.
Contudo, o fiel é chamado a ver além e através dessas realidades: a vitória de
Cristo sobre a morte é também vitória sobre o pecado do mundo e seus efeitos.
Os males que atravessam a nossa existência se tornam para os que veem, pela fé,
sinais da realidade maior e melhor.
Em tempos de ofertas religiosas de
mercado, os espetáculos e as manifestações milagreiras tendem a desenraizar a
experiência de Deus. Valem as “curas”, os choros, os arrepios, as emoções
movidas por supostas adivinhações ou “revelações” misteriosas. Ninguém olha
para as próprias feridas e para as feridas alheias para reconhecer a vida
secreta que nelas habita. Os obstáculos e desafios não servem mais para
fortalecer e serem abraçados como cruz do discipulado. São evitados. Se aceita
a indiferença, sem qualquer perspectiva de solidariedade, de profetismo, de
luta em vista de uma transformação. A Páscoa nos convida para algo mais: para a luz que brilha na noite, para a
palavra que recria, para vida que emerge das águas, para o pão que cria vida ao
ser partido. A fé está enraizada na vida; na existência faz seu húmus. A
ressurreição eleva aquilo que a encarnação assumiu.
Acolhamos o dom da paz e do
Espírito que nos constitui em artífices de relações novas, reconciliadas e
fundadas na justiça e na misericórdia.
Desejando a todos muitas bênçãos, com ternura e gratidão,
o abraço amigo,
Pe.
Gilberto Kasper
(Ler
At 2,42-47; Sl 117(118); 1Pd 1,3-9 e Jo 20,19-31).
Fontes:
Liturgia
Diária da Paulus de Abril de 2020, pp. 89-92 e Roteiros Homiléticos da CNBB do
Tempo Pascal (Abril de 2020), pp. 34-39.
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