COMENTANDO A PALAVRA DE DEUS
DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM
Meus queridos Amigos e
Irmãos na Fé!
Interrompendo a sequência do Evangelho de Marcos, a liturgia nos
propõe, nos próximos cinco domingos, o capítulo 6 de João: a multiplicação dos pães e o discurso sobre o Pão da
Vida.
A multiplicação dos pães concentra um
simbolismo muito forte, revolucionário, e caracteriza sobremaneira a identidade
dos cristãos. Não é apenas uma imagem da Eucaristia, mas revela a intimidade do Reino anunciado e aponta para o banquete messiânico, no final dos
tempos, quando todos serão saciados e a morte, vencida.
Este é o verdadeiro sentido da missão de Jesus, que sente
as necessidades do povo e o alimenta com a Palavra e o pão partilhado. O pão é abençoado porque é um presente e alimento de Deus para
todos os viventes. Repartir o pão com os pobres significa entrar e viver na
dinâmica do Reino. Repartir o pão é participar na comunhão do corpo e sangue do
Senhor, entregues para a vida do mundo. É o segredo maior do Reino, por isso
nada pode ser perdido, mas recolhido e sempre multiplicado.
Nossa macro-região de Ribeirão Preto
tem um dos lixos mais luxuosos do Brasil. Lixo luxuoso é o alimento
manufaturado que sobra nos pratos, nas panelas e é jogado fora. Nos alimentamos
mal, comemos demais, depois gastamos com Academias e Regimes Alimentares. A
Obesidade, segundo o querido Nutrólogo, Dr. José Eduardo Dutra de Oliveira, é
uma questão muito séria, quase que epidêmica em nosso País. Enquanto nos
“fartamos”, cerca de um bilhão de pessoas passam fome todos os dias no mundo.
Desses, nada menos que 40 milhões são nossos irmãos brasileiros. Não são sempre
os mesmos que passam fome. Os que chegam antes aos lixões comem daquilo que
jogamos fora.
O memorial da páscoa do Senhor implica
nessa memória da partilha e na profunda solidariedade com todos os que passam
fome e são rejeitados e expatriados.
Celebrar a Eucaristia no contexto da
multiplicação dos pães é contestar o sistema de acumulação que domina o mundo e
coloca milhões na miséria.
Jesus saciou pessoas que tinham fome e se revelou o pão da vida eterna, levando em conta a situação
concreta e real do dia a dia. O pão, a comida que Ele oferece não é só símbolo
do pão sobrenatural. Nos desígnios do Pai, não é possível revelar o pão da vida eterna sem
solidarizar-se com as realidades humanas. O amor aos pobres, como o amor aos
inimigos, é um teste e um testemunho por excelência da nossa caridade e doação.
Reconhecer aos pobres o direito de receber o pão da vida significa engajar-se
de corpo e alma nas exigências do amor, e, para o cristão, fazer acontecer uma “nova multiplicação dos pães”.
Se o povo passa fome não é tanto pela
pobreza em si, mas pelo fechamento de quem não se importa com os demais. A partilha marcou profundamente as
primeiras comunidades cristãs. Ao partir o pão, descobre-se a presença nova do Ressuscitado!
A salvação trazida por Jesus atinge
nossa vida em todas as suas necessidades, em sua totalidade, e não deixa
ninguém com fome. Por isso, a atuação e responsabilidade com as questões
sociais, econômicas e políticas são sinais da salvação que Deus quer realizar,
hoje, através de nós. Como uma cidade do porte de Ribeirão Preto pode suportar
tantos bolsões de miséria, onde crianças passam fome e morrem precocemente por
falta de sanidades básicas? Sabemos que para muitos convém continuar “favelados”, porque não faltam os que
alimentam suas falsas esperanças de que um dia as coisas haverão de melhorar.
Nosso povo precisa ser educado como cidadãos de oportunidades e não de
migalhas. Migalhas jogamos às galinhas e não aos nossos pobrezinhos, sem
perspectivas de vida mais digna e humana.
Ao multiplicar os pães, Jesus nos
oferece critérios evangélicos fundamentais para vivermos a fraternidade, a
partilha e a solidariedade. É repartindo, sendo solidários, que realizaremos o
projeto de Jesus, banquetes de fartura e de alegria entre irmãos que se amam. O
dinheiro, a terra, os bens ou servem para criar a fraternidade ou acabam
dividindo e matando as pessoas.
Jesus ensina que a dinâmica do Reino é
a arte de repartir. Somente o dinheiro do mundo não seria suficiente para
comprar alimento necessário para os que estão passando fome... O problema não
se soluciona comprando, mas repartindo.
A dinâmica do mundo capitalista é o
dinheiro. A filosofia é que, sem dinheiro, nada se pode fazer. Tudo é
convertido em moeda. No mundo capitalista, não há espaço para a gratuidade.
Tudo tem seu preço! Esquecemos, contudo, de que a vida nos é dada por pura
gratuidade de Deus.
O capitalismo selvagem sobrevive à
custa dos miseráveis. São os pobres que alimentam tal sistema, que joga
“migalhas de bolsas daqui e dali: Bolsa Família, Bolsa Escola, Esmolas nos portões de nossas
residências e nas portas de nossos templos”! É mais
fácil dar esmola e ver-se livre do pobre, largando-o à própria sorte, do que
comprometer-se com uma verdadeira compaixão que o promova em sua verdadeira
dignidade!
Jesus nos convida ao banquete
eucarístico para nutrir nossa fé e fortalecer-nos no amor mútuo. Ele vê as
necessidades do povo faminto e, por nossas mãos, quer lhe proporcionar o
sustento na caminhada. A eucaristia questiona a falta de alimento em muitas
famílias e nos revela que o pão, bênção de Deus, se multiplica à medida que é
partilhado.
Fruto do trabalho humano e da bênção
divina, o pão deve ser partilhado para saciar o povo faminto. A palavra de Deus
nos chama a acolher-nos uns aos outros no amor e solidarizar-nos com o
necessitado.
Partilhar os bens da criação é
característica fundamental da Igreja. Trabalhar pela unidade de todos é outra
característica importante sua. Este é o modo desejado por Jesus: uma sociedade sem famintos.
Na comunhão, Jesus se oferece a todos
indistintamente. Ele é o pão que alimenta aqueles que têm fome de seu amor. Por
ele, com ele e nele doamos a vida para que todos tenham dignidade.
Necessitados de força e de sentido
para a vida, participamos da ceia do Senhor onde se realiza entre nós a
multiplicação dos pães.
Jesus, o Pão da Vida sacia nossa fome com a Palavra que nos revela o sentido da vida, sacia nossa fome com a ceia
eucarística, sacramento da salvação, sinal e antecipação do banquete sem fim a
que somos destinados e convocados.
Ele nos convida a termos compaixão das
multidões famintas. Precisamos abrir as mãos e o coração para a partilha e a
solidariedade, a fim de vencermos a fome e a miséria do mundo.
A Eucaristia é o pão que sacia e plenifica o sonho de paz e fraternidade. É o
alimento para conservar a vida. É o pão que nos dá forças para superar as
atribuições que existem e atormentam a vida. É segurança de que Deus nos ama e
a certeza da ressurreição. É Deus-conosco e no meio dos pobres.
Não poucas vezes nosso lugar à mesa
començal da Eucaristia fica vazio. Faltamos com muita facilidade do grande
banquete eucarístico, trocando-o por prazeres perecíveis e que nos enfraquecem
interiormente. Quem não se alimenta fica anêmico. A alma do mundo anda anêmica,
porque vazia do alimento que a sustenta viva, esperançosa e dinâmica na
erradicação da fome espiritual, física, material e moral. Por outro lado: como
podemos sentar à mesa e alimentar-nos sabendo de milhões de irmãos nossos
passando necessidades básicas? Seja a Eucaristia um alimento que nos robusteça
na esperança de que poderemos mudar este quadro caótico de fome e de falta de
dignidade! Saiamos de nossas celebrações, como Sacrários, Tabernáculos e
Porta-Jóias de Jesus Eucarístico. Só assim seremos capazes de alimentar as
demais “fomes” que machucam milhões de irmãos nossos, colocados à margem e,
quem sabe aguardando, pelo menos alguma migalha, que lhes sobre de tudo aquilo
que de graça recebemos e nem sempre partilhamos.
Sejam sempre muito abençoados. Com
ternura e gratidão, o abraço amigo,
Padre Gilberto Kasper
(Ler 2 Rs
4,42-44; Sl 144(145); Ef 4,1-6 e Jo 6,1-15)
Fontes: Liturgia Diária da Paulus de
Julho de 2018, pp. 93-96 e Roteiros Homiléticos da CNBB do Tempo Comum de Julho
de 2018, pp. 57-62.
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